Na expectativa de conseguir mais recursos e melhorar a disciplina, diretores de escolas estaduais de São Paulo inscreveram suas unidades para serem as primeiras a receber o modelo cívico-militar de Tarcísio de Freitas (Republicanos).
O programa prevê a contratação de policiais militares da reserva para atuar em projetos extracurriculares que vão abordar assuntos como direitos e deveres do cidadão e civismo, além de cuidar da segurança escolar. As aulas continuariam a cargo de docentes da rede estadual.
A implementação foi interrompida em agosto, após decisão judicial suspender a lei até que a constitucionalidade do modelo seja julgada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Confiante de que conseguirá reverter a liminar, o governo Tarcísio declarou às escolas que "logo retomará o processo normalmente". Na última quinta-feira (5), o ministro Gilmar Mendes marcou para 22 de outubro uma audiência pública para debater a medida.
A consulta pública com as comunidades escolares, no entanto, já gerou episódios de conflitos e denúncias de intimidação contra professores, alunos e até mesmo pais que questionam o modelo.
A disputa jurídica é mais um fator de insegurança para as cerca de 300 escolas estaduais que manifestaram interesse no programa. Muitas delas já viviam tensão no debate sobre a adesão.
O comerciante Renato Matsunaga, 57, fez uma denúncia contra a direção da escola estadual Paulo Mendes Silva, em Jundiaí, onde sua filha estuda. Em uma reunião para apresentar o modelo cívico-militar, a diretora afirmou que os PMs vão trazer mais segurança e disciplina para os alunos e professores.
Ao ser questionada pelos pais sobre mais detalhes da atuação dos policiais e ouvir argumentos contrários à proposta, a diretora então encerrou a reunião e disse que eles deveriam opinar apenas na votação.
"Vocês vão votar, por sim ou não. Se vocês não concordam, votem não. E se não gostou, pede pra sair [da escola]. Isso aqui é para os fortes, não para os fracos", disse a diretora, conforme gravado por um dos pais.
Para Matsunaga, a postura da diretora foi antidemocrática e uma tentativa de intimidar a minoria de pais que estava contrária ao modelo. "Ela argumentou que eles iriam ajudar a conter os casos de indisciplina, mas nunca houve nenhum episódio grave de violência, não tem alunos que usam drogas na escola. Não há justificativa para isso em uma escola que é tranquila", diz.
Em nota, a Secretaria Estadual de Educação disse que vai abrir uma apuração para averiguar a conduta da diretora.
A melhora da segurança é o argumento de muitos diretores para a adesão ao programa. A escola Ivone Palma Todorov, em Santo André, por exemplo, foi alvo de vários episódios de furto nos últimos anos.
Alunos e professores, no entanto, questionam se a presença dos policiais é a solução. Estudantes chegaram a fazer um protesto contra o modelo cívico-militar, e a PM foi acionada para acompanhar a manifestação.
Com a autorização da direção da escola, os policiais entraram na unidade e os alunos relatam ter se sentido coagidos. A Secretaria de Educação disse que a polícia foi acionada por terceiros e acompanhou o ato, que ocorreu de forma pacífica.
Diretores e professores ouvidos pela reportagem também afirmam esperar com a adesão receber mais recursos financeiros para as escolas. O programa, porém, não prevê investimento extra para essas unidades.
As escolas que manifestaram interesse no modelo cívico-militar representam cerca de 6% das mais de 5.000 escolas estaduais paulistas. O governo vai selecionar apenas 45 para o próximo ano.
O embate no processo de seleção das escolas já levou ao menos duas unidades a recuarem da adesão. É o caso da Vladimir Herzog, em São Bernardo do Campo, e da Conceição Neves, em Cotia. Os estudantes argumentaram que os diretores não explicaram o motivo de terem demonstrado interesse sem consultar a comunidade escolar.
No mês passado, o diretor de uma escola na capital também foi afastado após enviar um comunicado aos professores orientando que eles não expressem publicamente seu ponto de vista sobre a adesão ao modelo. No documento, a direção da escola Guiomar Rocha Rinaldi diz que os profissionais devem apenas reproduzir as informações oficiais.
Para Salomão Ximenes, professor de políticas públicas da UFABC, o formato definido pela gestão Tarcísio para a escolha das unidades prejudica ainda mais a convivência nas escolas.
Ele diz ainda que a implementação do modelo cívico-militar em São Paulo é resultado da ausência de uma regulação dos órgãos federais. Em julho de 2023, o governo do presidente Lula (PT) anunciou o fim do programa nacional de fomento a escolas cívico-militares criado por Jair Bolsonaro (PL).
Apesar da extinção, o Planalto deixou para estados e municípios a decisão de manter o modelo. Levantamento da Repme (Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação) identificou que o número de escolas militarizadas passou de 816 no ano passado para 947, em 2024.
O Paraná, que teve a maior expansão, defende que militarização teve efeito positivo no comportamento e no aprendizado dos alunos. A Secretaria de Educação da gestão Ratinho Junior (PSD) aponta que as escolas cívico-militares do estado tiveram melhora no Ideb entre 2021 e 2023.
"[Essas unidades] têm se destacado como instituições que promovem não apenas a excelência acadêmica, mas também valores cívicos importantes para a formação de cidadãos comprometidos com o futuro do país", afirma a pasta.
Analisando-se os números, a nota média dessas unidades no ensino médio passou de 4,6 para 4,8 --similar à obtida por toda a rede estadual, que passou de 4,6 para 4,7 no período. Ou seja, as escolas com esse modelo tiveram 0,1 ponto a mais. Nos anos finais do ensino fundamental, a média das cívico-militares também foi a mesma da rede estadual, de 5,5 pontos.
Para Ximenes, mesmo que a militarização melhore a disciplina dos alunos, aqueles que não se adequam podem acabar sendo empurrados para outras unidades. "Isoladamente, a política pode até ter um efeito positivo, mas isso ocorre em detrimento de uma piora do sistema de ensino como um todo", diz.
Fonte(s): Jcnet
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