Por maioria dos votos, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo considerou constitucional o indulto do presidente Jair Bolsonaro (PL) publicado em 2022, nos últimos dias de mandato, que favoreceu os policiais militares condenados por participação do chamado massacre do Carandiru.
A decisão, por 18 votos a 6, deve livrar todos os 74 policiais militares condenados pela participação na morte de presos na Casa de Detenção, na zona norte da capital paulista, em outubro de 1992, não pagarão por seus crimes. Os PMs foram condenados a penas entre 48 a 624 anos, referentes a 77 assassinatos com armas de fogo.
No total, foram mortas 111 pessoas na ação da PM. O Ministério Público não atribuiu todas as mortes aos policiais porque, segundo os promotores, algumas delas ocorrem por meio de armas brancas e, assim, podem ter sido provocadas pelos próprios presos, em uma briga entre a massa carcerária.
A decisão do TJ paulista ocorre cerca de dois meses após o STF (Supremo Tribunal Federal) colocar em pauta para votação esse mesmo tema. Os ministros devem referendar ou não a decisão liminar (urgente e provisória) que suspendeu parte do indulto aos policiais condenados.
A então presidente da corte, a ministra aposentada Rosa Weber, suspendeu o perdão em janeiro de 2023, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República, que sustentou, entre outros pontos, que o trecho afronta a dignidade humana e princípios do direito internacional público.
A assessoria do STF informou, na tarde desta quinta (8), não ter dada certa para o julgamento ocorrer.
Os desembargadores realizaram a votação porque em junho deste ano, o ministro Luiz Fux (que herdou o caso de Rosa Weber), decidiu que não havia efeito suspensivo no processo. Isso foi considerado pelos desembargadores uma ordem para retomar o processo, decidido nesta terça (7).
Com a decisão dos magistrados paulistas, o caso deve ser enviado de volta para a 4ª Câmara Criminal. Os magistrados que estava prontos para decidir sobre a pena a ser aplicada aos PMs, já que não cabe mais recurso no caso, devem agora apenas aplicar o indulto. Há uma dúvida, porém, sobre o que fazer caso o STF tenha entendimento contrário.
Seis dos 24 desembargadores votaram pela inconstitucionalidade do indulto, entre eles o relator sorteado, Fábio Gouvea, que foi voto vencido. O desembargador Damião Cogan, que assina como relator designado, disse não ver o caso do Carandiru como "crime contra a humanidade".
"Não é a hipótese presente já que não houve qualquer ataque armado à população civil mas, um ato legítimo do Estado de intervenção em presídio onde uma rebelião de grandes proporções ocorrera com inúmeras mortes de presos que não pertenciam à facção dominante (na época chamavam-se serpentes negras, que hoje se chama Primeiro Comando da Capital)", diz.
"Errado, portanto, falar-se em crime contra a humanidade, já que nem se caracteriza referido tipo penal descrito no Estatuto do Tribunal Penal Internacional."
Para o procurador Maurício Ribeiro Lopes, em julgamentos de casos dessa natureza sempre são possíveis interpretações díspares, "prova disso os votos vencidos do relator e mais cinco desembargadores".
Ainda segundo membro do Ministério Público paulista, casos dessa envergadura não são julgados de modo estritamente técnico. "A técnica estrita não alcança a dimensão humana, nem a repercussão social, histórica e até internacional sobre o que se está a decidir. O direito falha ao pretender ser técnica estrita. Há muito de política em sua formação e esconder esse viés é seu pior defeito."
Ainda segundo ele, não "há decisão que possa ser tomada sobre um caso de tal dimensão sem as considerações de política criminal, de política social, de política de direitos humanos". "Qualquer que fosse a decisão, um caráter desse aspecto político teria que ser ressaltado naturalmente. Louvo o trabalho de todos que se dedicaram e se dedicam há mais de 30 anos na luta pelo melhor direito. Respeito a decisão, mas lamento a escolha da política que lhe está implícita", disse.
O indulto presidencial era uma das últimas esperanças que restavam aos policiais condenados pelo massacre, pois o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF já haviam analisado os recursos dos policiais e decidido pelo trânsito em julgado -quando há decisão definitiva. Resta ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) analisar as penas para avaliar se estão ou não adequadas.
Embora não cite nominalmente nenhum dos PMs, como ocorreu no caso do deputado Daniel Silveira (PTB), o texto do artigo descreve circunstâncias particulares que se encaixam perfeitamente na situação dos 74 condenados pelo assassinato de presos em outubro de 1992.
"Será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que [...], no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática", diz o artigo 6º, inexistente nos indultos anteriores.
A decisão foi criticada pelo IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), que afirma que o Tribunal de Justiça paulista se antecipou indevidamente à discussão sobre o indulto no STF.
"Particularmente é ética e juridicamente reprovável tal postura, porque o mesmo decreto de indulto do ex-presidente da República tem sua constitucionalidade questionada pela Corte, que havia suspendido seus efeitos até a conclusão do julgamento, que ainda está em curso", afirma a nota assinada por Renato Stanziola Vieira, presidente da entidade.
O instituto declara ainda que se "irmana ao luto dos familiares das pessoas brutalmente assassinadas" no episódio do Carandiru.
"A validação do induto presidencial assinado pelo ex-presidente da República, confessadamente admirador do período ditatorial e propagador de cultura de militarismo e de menoscabo aos direitos humanos das pessoas presas, constitui um duríssimo ataque ao núcleo essencial do Estado democrático de Direito do Brasil."
Fonte(s): Jcnet
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